No passado dia 8 de setembro celebrou-se o dia mundial da alfabetização. A UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – dedicou a década de 2003-2012 à alfabetização, por meio da Resolução A/RES/54/122.
“A alfabetização universal de crianças e adultos continua sendo um desafio. Ela constitui um direito humano fundamental, uma necessidade básica de aprendizagem e a chave para aprender a aprender, condição indispensável para o exercício pleno da liberdade. A batalha pela alfabetização requer esforços sustentados (...) além de programas, projetos e campanhas de curto prazo. A alfabetização favorece a identidade cultural, a participação democrática, a cidadania, a tolerância pelos demais, o desenvolvimento social e a paz” (UNESCO, 2004, p. 7).
O conceito de alfabetização evoluiu bastante nos últimos anos. Entendida inicialmente como capacidade de ler, escrever e fazer cálculos aritméticos, era uma educação em grande parte dissociada da realidade dos educandos. Nos anos 60 introduziu-se a visão funcional da alfabetização – o Congresso Mundial de Ministros da Educação sobre a Erradicação do Analfabetismo (1965) considerou a alfabetização como um aspecto fundamental do treinamento para o trabalho e aumento da produtividade; e, Paulo Freire acrescentou-lhe dimensões políticas, situando o aluno como sujeito de um processo de alfabetização crítica, entendida como capacidade de participar.
Com a V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos (Confintea V) a alfabetização, ainda relacionada com a luta contra a pobreza, foi inserida no contexto da educação de adultos e da sociedade de aprendizagem.
Hoje, a concepção de alfabetização é mais ampla e plural em diversos sentidos – bi-alfabetização (em situações de bilingüísmo), alfabetização digital, eco-alfabetização, entre outros. As “alfabetizações” implicam a aceitação dos caminhos da educação formal e não-formal, assim como a educação presencial e a educação à distância. Também, a aceitação de diversos públicos com características e necessidades diferentes: adolescentes e jovens, meninas e mulheres, trabalhadores... Inclusive o enfoque da alfabetização precisa ser integrado, não só articulando todos os aspectos da vida mas também tendo uma visão linguagem como totalidade – comunicação oral e escrita, contextos de saúde, nutrição, artesanato, microcrédito, entre outras áreas. Este ano de 2008 sinaliza a relação entre alfabetização e saúde, com o lema “Alfabetização é o melhor remédio”, pensando nas epidemias e doenças contagiosas como AIDS, tuberculose e malária.
No mundo, um quinto da população mundial sequer tem acesso à alfabetização. Os esforços de alfabetização não acompanharam o ritmo do crescimento populacional, na verdade, na Ásia Meridional e Ocidental e na África Subsaariana o número de analfabetos aumentou desde 1990. Olhando o panorama dos eventos e compromissos internacionais relativos à alfabetização, percebem-se dois focos de tensão: “embora a retórica de preocupação quanto ao enfoque da questão da alfabetização tenha se mantido forte e clara, os avanços reais foram frustrantes – diversas metas foram estabelecidas e não cumpridas, e nenhum aumento significativo nos investimentos foi ainda verificado. [Também], embora a alfabetização permaneça no cerne das preocupações da UNESCO, e a ela se tenha engajado intensamente no processo internacional, nada disso resultou na colocação da alfabetização no centro dos debates internacionais sobre educação” (UNESCO, 2004, p. 33).
A questão da alfabetização interessa sobre maneira aos países CPLP, por vários motivos. Um deles relaciona-se com o grau de analfabetismo neles, não só o analfabetismo concreto, que impede o indivíduo de ler e escrever, como o retrocesso dos que eram alfabetizados, o analfabetismo funcional, e o analfabetismo crítico – precisa ser prioridade dos países, indo além dos fóruns de discussão política, tornando-se prática cotidiana. O porquê e o como de fazer da alfabetização prioridade deve guiar os decisores e executores dessa prática – o que ganham os indivíduos como cidadãos e como é promovida a democracia no país? Quem se torna protagonista do desenvolvimento do coletivo? Quanto contribuirá a alfabetização para a saúde, o ambiente, a justiça social?
Um outro motivo interessante é a reflexão de em qual idioma deve acontecer a alfabetização – em países de língua oficial portuguesa, onde existem centenas de outros idiomas, quão rico deve ser o processo de permitir que ambas, línguas maternas e língua oficial, tenham espaço e se comuniquem? Até que ponto o português deve ser o idioma de fácil comunicação entre os países e os distintos grupos lingüísticos nos países, ao mesmo tempo em que as aulas, desde o ensino básico até à educação formal de jovens e adultos, devem leccionar nas outras línguas? E quando se deve incentivar a tradição oral? Afinal, o desenvolvimento social não pode assentar exclusivamente na alfabetização, ela é uma forma de comunicação – através de textos – mas não é a única, e é um instrumento de resgate da auto-estima, de identidade, de participação, de cidadania, mas não é a única.
Toda essa panóplia de questões deve ser trazida à discussão nos países CPLP, cujo alicerce é a identidade lingüística, sendo que admite em seus estatutos o reconhecimento e a valorização das diversidades.
Moçambique, entre os dias 22 e 24 de setembro, promoveu o III Seminário sobre Padronização de Línguas Moçambicanas, reunindo mais de 200 individualidades nacionais e estrangeiras para analisar a problemática da escrita de línguas africanas em geral e as línguas moçambicanas em particular, e propor um sistema de escrita de línguas moçambicanas a ser aprovado pelo Governo e outras instâncias relevantes do Estado, como conjunto de normas a observar na representação escrita dessas línguas.
É um bom exemplo a ser seguido pelos demais, como exercício da liberdade de cada um.
Referências bibliográficas
UNESCO. Alfabetização como liberdade. Brasília, 2004. 69 p.
Ver também
TEIXEIRA, R.N. A alfabetização de jovens e adultos: a abordagem de Paulo Freire. Disponível em: www.ucdb.br/pesquisa/nepa/3466.doc. Acesso em 23 set. 2008.
UNESCO. Dia internacional da alfabetização. Disponível em: http://www.brasilia.unesco.org/unesco/premios/dia-internacional-da-alfabetizacao-2008-1. Acesso em 23 set. 2008.
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