domingo, setembro 28, 2014

Ninguém aplaude essa mulher no palco porque todos estão assustados demais para isso

http://awebic.com/cultura/ninguem-aplaude-essa-mulher-palco-porque-todos-estao-assustados-demais-para-isso/


Ninguém aplaude essa mulher no palco porque todos estão assustados demais para isso

Este é um vídeo fascinante.
Tanto pela maneira como foi produzido (e conduzido) quanto pela reação da plateia com as informações que eram passadas.
Todos ficaram assustados. Eu também ficaria.
Veja o vídeo a seguir e depois me diga se você já foi enganado por uma dessas técnicas. Preste atenção nas expressões das pessoas que estão vendo a palestra.
Aperte o play e assista. Lembre-se de ativar as legendas em português caso não entenda inglês.
Impactante, não é? Mostra verdades duras como as daquele vídeo sobre o uso consciente de redes sociais.
De fato, nada torna a agricultura industrializada aceitável. Para quem quer mais informações, recomendo a vista ao site da organização que luta para combater essa questão.

quinta-feira, setembro 18, 2014

A Escócia já ganhou

esquerda
http://www.esquerda.net/dossier/escocia-ja-ganhou/34137


A Escócia já ganhou

O referendo de 18 de Setembro trouxe para o quotidiano discussões sobre história, política e economia, sobre o que foi o passado e o que se quer do futuro. Quase ninguém responde agora “ah, eu não falo dessas coisas”. E já não era sem tempo! Artigo de Mariana Vieira, em Edimburgo.
"There will be no miracles here" - jardim do Museu de Arte Moderna de Edimburgo. Foto Luís Branco
Quando cheguei à Escócia, em Março de 2006, aprendi que teria de passar a acompanhar os resultados do futebol se quisesse fazer amigos. A partir daí, chegava-se ao resto. À política, às histórias da família, às preferências religiosas e assim por diante. Puxar qualquer um destes assuntos sem aquecimento prévio podia ser infrutífero e considerado mal-educado. Se tivesse chegado à Escócia em Março de 2014, a conversa teria sido outra. Durante os últimos dois anos e meio, trocar opiniões sobre assuntos sérios (para além da bola, claro) deixou de ser coisa reservada para quando a noite já vai longa. O referendo de 18 de Setembro trouxe para o quotidiano discussões sobre história, política e economia, sobre o que foi o passado e o que se quer do futuro. Quase ninguém responde agora “ah, eu não falo dessas coisas”. E já não era sem tempo!
O jornalista Jeremy Paxman queixava-se esta semana de que “uma Svetlana qualquer com residência a norte da fronteira podia votar” mas ele, “um quarto escocês”, não podia. Pois… exactamente porque qualquer Svetlana que viva na Escócia faz parte da comunidade sobre a qual está a votar, enquanto a ligação de Paxman será de material genético, portanto absolutamente irrelevante. O referendo, portanto, dizia-me respeito.
No dia em que o referendo foi anunciado, pensei, enquanto estudante que tinha vindo de passagem por um ano e acabou por ficar quase uma década, que o assunto não me dizia respeito. Quer dizer, interessava-me, como (quase) tudo o que é humano me interessa, mas pensava que não me cabia decidir sobre questões identitárias alheias e que a minha antipatia por nacionalismos me fazia desconfiar da necessidade disto tudo. Votar NÃO nunca foi hipótese, os escoceses que fizessem o que entendessem, mas não votar de todo chegou a parecer a opção mais sensata. O preconceito era meu. Muito pouca gente encara a independência como um fim em si mesmo e, como se vê pela escolha de universo de eleitores, é tudo menos uma questão identitária*. O jornalista Jeremy Paxman queixava-se esta semana de que “uma Svetlana qualquer com residência a norte da fronteira podia votar” mas ele, “um quarto escocês”, não podia. Pois… exactamente porque qualquer Svetlana que viva na Escócia faz parte da comunidade sobre a qual está a votar, enquanto a ligação de Paxman será de material genético, portanto absolutamente irrelevante. O referendo, portanto, dizia-me respeito. Fui ficando e assim que comecei a frequentar reuniões e sessões de esclarecimento, percebi a campanha do SIM tinha uma forte componente internacionalista e anti-globalizante, aliada a uma enorme convicção de que a Escócia só terá sucesso se proteger e incentivar as suas comunidades imigrantes. Curiosamente, a noção de que não fazia parte desta terra veio do lado oposto, com a substituição de um nacionalismo escocês pouco acentuado por um nacionalismo da União, paternalista, insistente e assustador.
À falta de um discurso identitário vindo da campanha do SIM que pudessem atacar, os seus adversários agarraram-se à noção de família. Como se votar pela independência não significasse pôr fim a um império obsoleto representado pelo Reino Unido, que consideram uma das maiores vitórias do pacifismo e da cooperação, ou uma normalização da vida democrática, mas sim tornar-se um estrangeiro para os amigos e parentes, erguer uma fronteira entre iguais, precisar de um passaporte para visitar a avó. Claro está, isto exclui quem não é daqui, a quem o apelo às raízes britânicas não aquece nem arrefece — faz parte da condição de migrante saber que se deve ter o passaporte à mão para visitar os primos e nunca ninguém deixou de ter irmãos por mudar de país. O discurso deveria pesar ainda menos nesta terra, em que tanta gente tem pais irlandeses, tias americanas, filhos indianos, avós canadianas e tantas outras felizes misturadas dentro e fora da gigante Commonwealth. Da família à metáfora do divórcio ou da birra de adolescente foi um saltinho. A Escócia quer sair de casa e levar tudo com ela. A Escócia sempre foi meio tontinha, claro, mas gostamos muito dela. A Escócia devia dar uma segunda oportunidade à Inglaterra (sempre a Inglaterra, nunca Gales ou o norte da Irlanda) e “trabalhar na relação”, como se o problema se resolvesse com um livro de auto-ajuda e umas sessões de terapia. Claro que quem não nasceu aqui nem sequer interessa para a metáfora, nem como familiar distante. Teria sido fácil pegar mais consistentemente no medo da multiplicação de vistos e autorizações de trabalho, por exemplo. Mas não. O apelo é apenas emocional, a quem se identifique com a “identidade britânica”. O que, de certa forma, é compreensível, já que de outra forma teriam, por exemplo, de justificar as ameaças recorrentes de Cameron de dificultar o acesso ao Reino Unido ou ao sistema nacional de saúde britânico.
Falhando a noção de família, o Labour (mas agora também a direita, numa mudança de discurso surreal) reclama o património da solidariedade entre os trabalhadores. Quebrar a unidade do Reino Unido é abandonar a Inglaterra a um governo Conservador perpétuo e dividir os sindicatos nas suas lutas comuns**. Esquecendo por um momento que o sindicalismo ainda não recuperou de todos os ataques que lhe foram feitos desde os anos 80, o que é impressionante no discurso pretensamente de esquerda do lado do NÃO é a impressão que deixa de que a solidariedade fora de fronteiras e, já agora, através de línguas diferentes, lhes é desconhecida. Transparece uma insularidade que, infelizmente, é comum noutras áreas, como muito do discurso académico, em que para lá da Mancha só há, quando muito a Alemanha. E da solidariedade com a Irlanda independente parece que é melhor não falar, pelo sim, pelo não. A ideia de que uma nação que acaba de redescobrir o que é a intervenção directa na democracia deva disso abdicar em nome de uma solidariedade vazia, que dispense outra de organizar a sua resistência, é aberrante. Mas esta gente nunca olhou para o resto do mundo? Nunca viu campanhas internacionais? Não se lembra, como o actor Kieran Hurley repete cada vez que pode, de que ainda há bem pouco tempo os estudantes escoceses se organizaram para apoiar os estudantes ingleses que tinham de pagar propinas? Propinas essas que não seriam aplicadas na Escócia? A solidariedade estará presente sempre que houver movimento social, mas a reorganização sindical e, por muito que lhe tenham resistido, a reorganização do Labour e das suas prioridades por todo o território tem até muito a ganhar com o debate da independência e com a crescente politização de um eleitorado há muito afastado das urnas.
Com o chavão da solidariedade (que sempre fizeram questão de boicotar quando existiu de facto), de repente, toda a gente do centro-direita governamental se tornou ultrasocialista e reclama uma “transformação radical do Reino Unido” que passe por todas as suas nações. Bom, de repente é como quem diz. Desde o momento exacto em que o pânico se instaurou graças a uma única sondagem a apontar para o que até aí parecia impossível. Líderes partidários prometem empenhamento de alma e coração na devolução máxima (projecto que têm vindo a vetar há décadas e contra o qual estiveram no momento da decisão dos termos do referendo), falam no horror do socialismo num só país (quem diria!), contra o nacionalismo e o terror do tirano que quer tomar a Escócia e acabar com a imprensa livre. Por outro lado, o nível de alerta sobre o terrorismo é aumentado, admitidamente sem qualquer informação nova que o justifique, duas semanas antes do referendo, numa manobra óbvia para influenciar o eleitorado preocupado com a defesa nacional face a um atentado, se o exército se dividir.
O Museu de Arte Moderna de Edimburgo, perto de uma das saídas da cidade mas também no caminho de um dos grandes hospitais, tem dois edifícios, um de cada lado da estrada. No friso do edifício principal, escrito em néon roxo, lê-se "vai correr tudo bem". Do outro lado, por vezes aquele por onde se passa primeiro mas num jardim que não se vê da rua, outra instalação luminosa avisa: "não vai haver milagres". A mensagem é mais ou menos reconfortante conforme a ordem de leitura das frases mas qualquer das versões se aplica a esta campanha.
Nos meios sociais, a campanha do NÃO nas últimas duas semanas é o delírio! Fala-se de gangs organizados de activistas do SIM que se passeiam pelas ruas a ameaçar e intimidar quem deles discorde. Fala-se em fascismo e totalitarismo, repressão e violência. Do medo de dizer que se vai votar não! Medo de quê, já agora, quando se tem toda a banca, a imprensa e a opinião transmitida dos países aliados do mesmo lado? O discurso de Cameron e amigos soa a falso. Soa a falso que quem ameace com os cenários de desgraça sejam também aqueles que foram responsáveis pela situação actual e que, até há duas semanas, só tinham para oferta mais austeridade, xenofobia e privatizações de serviços essenciais. Ou de gente que não põe os pés na Escócia há anos e não tem noção de que o palco principal desta campanha tem sido o contacto directo com as populações, em sessões cheias de gente interessada em debater todos os aspectos da questão.

Que os líderes partidários mintam descaradamente, ou que se minta descaradamente nas redes sociais, é uma coisa, mas a imprensa também entrou a matar na jogada***. Para além dos cenários apocalípticos, sempre com a caução de um nobel qualquer, as notícias desceram ao nível do absurdo e da desonestidade caricatural. Compara-se Alex Salmond com Hitler, Mugabe, ou Estaline. Anuncia-se, em jornais nacionais como o Telegraph (que apesar de tudo não é um tablóide) que a Coreia do Norte já declarou o seu apoio à independência e manifestou interesse em negociar com os produtores de whisky. Outros dizem-nos que o Monstro do Loch Ness vai mudar-se para Lake District e afectar o turismo. Os aristocratas campeões de Polo de Elefante estão com medo do que esses gatunos lhes vão fazer às terras. A “piada” de primeiro de Abril do Guardian já se tornou rumor “confirmado”: se a independência ganha, as pessoas vão ter de passar a conduzir pela direita. Mais grave do que isso, hoje, a dois dias do referendo, uma fonte não identificada revela à imprensa que tudo o que Alex Salmond tem andado a prometer sobre o sistema nacional de saúde é mentira e que planeia uma série de cortes para o dia seguinte à votação. A manutenção do sistema nacional de saúde é só um dos elementos fundamentais da campanha do SIM. Depois de uma campanha tão parcial começa a ser difícil distinguir realidade e ficção. Se tudo correr bem, os eleitores de dia 18 saberão distinguir o desespero confrangedor de Londres pela manutenção do status quo da vontade real de transformação, mas é muito provável que as ameaças tripliquem ainda nas últimas horas antes da votação.
Voltando ao lado positivo. Uma das enormes transformações desta campanha foi para a esquerda radical. Primeiro, tem sido uma lição sobre colaboração. Por muito que se possa desconfiar do programa do SNP, as campanhas têm sido paralelas e complementares, nunca hostis entre si. O SNP continuará na sua fase mais à esquerda enquanto tiver consciência de que grande parte do eleitorado que lhe permitiu maioria absoluta votou pelas políticas de justiça social, desiludido com o Labour. A esquerda voltou a ter motivação e mão de obra que lhe faltava há muito. O SSP (em crise desde o escândalo à volta de Tommy Sheridan) e os Verdes (ainda com representação parlamentar) estiveram muitíssimo envolvidos em todo o processo e foram responsáveis por trazer de novo para a participação política grande parte das áreas mais pobres e geralmente negligenciadas e pela mobilização da classe trabalhadora. Se o SIM ganhar, será por causa deste trabalho prolongado com as populações, para o qual o NÃO só acordou há uns dias. Dizia acima que a independência não é um fim em si mesmo para a maior parte daqueles que decidiram levar a cabo esta campanha, mas uma forma de tornar a Escócia uma nação democrática, em que, qualquer que seja o governo, os eleitores sintam que está ao seu alcance influenciar a sua escolha e avaliar a sua intervenção. A reivindicação de que a Escócia possa funcionar como uma democracia moderna (sem Câmara dos Lordes, por exemplo), favorecerá todos os quadrantes políticos. Deixando de ser responsáveis pela representação do Labour em Westminster, será normal e até saudável que também a direita se reorganize e ganhe algum terreno. Por enquanto, a tendência da esmagadora maioria de votantes no SIM é para a reivindicação de uma sociedade mais justa, fora dos programas nucleares e fora da austeridade que assola a Europa. Não será surpreendente se, após o envolvimento da comunidade na escrita da constituição, se abra o espaço político para, por exemplo, reivindicar a instauração da república e pôr fim a essa outra instituição obsoleta das ilhas britânicas.
Depois de uma campanha tão parcial começa a ser difícil distinguir realidade e ficção. Se tudo correr bem, os eleitores de dia 18 saberão distinguir o desespero confrangedor de Londres pela manutenção do status quo da vontade real de transformação, mas é muito provável que as ameaças tripliquem ainda nas últimas horas antes da votação.
O que quer que a Escócia venha a ser, terá de contar com a capacidade de manter o entusiasmo actual e os níveis de participação social. Será difícil para um país isolado contrariar o neoliberalismo vigente? Com certeza, mas o mais importante é que não tem de ser um país isolado e os esforços a norte podem encorajar e ganhar aliados pelo resto da Europa. Há a consciência de que isto vai ser a campanha mais importante da vida de muita gente. Há riscos na independência da Escócia? Há, claro. Internos e externos. A enorme diferença é a determinação com que a população respondeu ao desafio e, em vez de discutir apenas a separação, se dedicou a imaginar o mundo em que quer viver. É ingénuo pensar que isso será possível? Talvez. Mas a alternativa já todos vimos qual é. E é muito fácil prever o futuro da União inquestionada.
O Museu de Arte Moderna de Edimburgo, perto de uma das saídas da cidade mas também no caminho de um dos grandes hospitais, tem dois edifícios, um de cada lado da estrada. No friso do edifício principal, escrito em néon roxo, lê-se "vai correr tudo bem". Do outro lado, por vezes aquele por onde se passa primeiro mas num jardim que não se vê da rua, outra instalação luminosa avisa: "não vai haver milagres". A mensagem é mais ou menos reconfortante conforme a ordem de leitura das frases mas qualquer das versões se aplica a esta campanha. Fiquemo-nos pela versão menos fácil — a esperança de que vá correr tudo bem, aliada à consciência de que não há milagres (muito menos conseguidos por uma cruz num papel) e de que, se queremos um mundo melhor, temos de fazer por ele, todos os dias.
Voltarei em breve a viver em Portugal. Apesar da minha formação de classicista me avisar contra a esperança, ensina-me também que ela é uma das mais bonitas características da humanidade. Espero levar na mala um pouco do otimismo comprometido das terras altas.
Oh, e no meio disto, não sei o que se passa no mundo da bola.

* Note-se também, já agora, que o alargamento do voto para maiores de 16 não é uma tentativa de influenciar a votação. Como seria de esperar, a geração que vai agora votar pela primeira vez está tão dividida quanto o resto da sociedade.
** Vale a pena ler o texto de Terry Conway para desfazer este mito.
*** George Monbiot publicou esta terça-feira um excelente texto sobre o tratamento mediático da campanha do SIM.

terça-feira, setembro 16, 2014

‘Um bife de 500g consome 6 mil litros de água’

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http://www.ihu.unisinos.br/noticias/535297-yolanda-kakabadse-presidente-do-wwf-um-bife-de-500g-consome-6-mil-litros-de-agua


‘Um bife de 500g consome 6 mil litros de água’

Yolanda Kakabadse, ex-ministra do Meio Ambiente do Equador, à frente do World Wide Life Fund desde 2010, ela veio à cidade ministrar a palestra ‘Amazônia no Rio’, na PUC.
“Nasci no Equador, me formei em psicologia educacional em Quito e fui ministra do Meio Ambiente do país. Em 2010, aceitei assumir a presidência do WWF por acreditar na agenda de compromissos. O WWF se deu conta de que não se pode proteger a natureza sem repensar o ser humano”
A entrevista é de Luiz Felipe Reis, publicada pelo jornal O Globo, 12-09-2014.
Eis a entrevista.
Conte algo que não sei.
Em 19 de agosto, atingimos o consumo do máximo que o planeta pode oferecer de recursos em 2014. Agora, já estamos esgotando as fontes de 2015. É como uma conta no banco. Estamos no vermelho e não temos de onde tirar, mas continuamos a consumir e a criar débito. Isso se chama ecological overshoot. É ultrapassar o limite do que o planeta pode dar. É quando o nosso consumo, em um ano, é maior que a capacidade de regeneração dos recursos.
Somos mais de 7 bilhões de humanos. Especialistas dizem que, para atender às atuais demandas, estamos consumindo recursos de um planeta e meio. Isso é verdade?
Sim. Estamos devendo e consumindo mais do que temos, sem parar. É como uma casa. Sem ter como pagar a conta, você começa a vender quadros, móveis, porta, janela, até não restar nada, nem a casa. Estamos nessa direção, consumindo além da reserva.
A senhora veio ao Rio para falar da Amazônia e da água. Até que ponto dependemos do equilíbrio do ecossistema amazônico para ter água?
Vim para falar de água e da nossa insegurança em relação a ela. Temos uma tremenda ameaça enquanto a Amazôniaestiver sendo degradada. Nossa água depende dela. Sem água, não há produção de energia e alimento.
São Paulo enfrenta, hoje, uma seca. Há relação direta entre a degradação da Amazônia e a seca? A Amazônia influencia em que grau o equilíbrio da água no Sudeste?
Todos os países amazônicos dependem deste ecossistema. Cada vez que destruímos um hectare, reduzimos a quantidade de água. Se o desmatamento da Amazônia continuar, São Paulo vai enfrentar uma seca como a de agora a cada dois anos, e cada vez mais forte, assim como os ventos serão mais intensos e o clima mais quente, o que afeta as calotas polares. 75% do PIB dos cinco países da Bacia do Prata (Brasil, Uruguai, Bolívia, Paraguai e Argentina) dependem da água do Amazonas. Só pensamos em fazer girar as hidrelétricas, mas não em preservar a floresta. Em pouco tempo, não teremos floresta, nem água e nem energia, já que as hidrelétricas não terão água.
Mas, de acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, o IPCC 2014, a Amazônia não corre mais o risco de virar savana até 2100, como anteriormente previsto. E, apesar do crescimento em 2013 divulgado quinta-feira pelo Inpe, monitoramentos apontam que, desde 2004, o desmatamento caiu entre 70 e 80%.
OK, houve uma diminuição importante num dado período, mas estamos mal. Temos que chegar ao índice zero. Ainda há um intenso desmatamento ilegal. Hoje, o problema é que nenhum país tem controle sobre o que está ainda em processo de degradação.
Temos pouca água ou o problema é o consumo excessivo, ou o desperdício?
De toda a água do mundo, 97% são água salgada, e só 0,3%, doce. Ainda assim, o problema não é a falta, mas o desperdício. Um bife de 500g consome 6 mil litros de água! Ou seja, é o volume de água que se gasta para produzir e fazer esta quantidade de carne chegar ao nosso prato. Sabe quanta comida ensacada é desperdiçada? 43% da produção global. Isso é imoral, irracional, não é humano.
O que é preciso fazer?
Repensar esse modelo de produção e consumo. Os países tropicais precisam usar energia solar, premiar quem usaenergia alternativa e taxar o carbono. A desculpa de que usar petróleo é mais barato não vale mais. Temos que agir pelo que necessitamos, não pelo que desejamos. Com o crescimento das cidades, nós nos afastamos da natureza e perdemos o senso de que no seu equilíbrio com a ação humana está nossa sobrevida. 

segunda-feira, setembro 01, 2014

A dinâmica implacável da desigualdade. Entrevista com Thomas Piketty

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http://www.ihu.unisinos.br/noticias/534767-a-dinamica-implacavel-da-desigualdade

A dinâmica implacável da desigualdade. Entrevista com Thomas Piketty

As preocupações de Thomas Piketty ao elaborar O Capital no Século XXI, considerado o mais importante tratado sobre a desigualdade desde O Capital, de Karl Marx, transcenderam em muito a demonstração didática da dinâmica do processo. Economista com qualidades de historiador, o autor agiu movido, em grande medida, pelo “temor de que, pouco a pouco, as estruturas sociais estejam mudando de maneira irremediável, sem nos darmos conta”. A transformação não é prontamente inteligível, e “há um risco real de que acordemos para descobrir uma sociedade ainda mais desigual que a do século XIX”. Em um contexto de economia mundial fraca e retornos sobre o capital mais altos que os de crescimento, há uma tendência de ampliação das diferenças de renda, alerta Piketty, na entrevista publicada pela revista francesa Esprit, e reproduzida porCartaCapital, 28-08-2014
A entrevista é de Alice Béja e Marc-Oliver Padis.
Eis a entrevista.
No seu livro O Capital no Século XXI, os resultados para diferentes países em termos de distribuição de riqueza são notavelmente uniformes. Como o senhor explica a relativa falta de especificidades nacionais?
Capital no Século XXI delineia um esquema interpretativo geral para dados que foram coletados por toda uma equipe. Mudar o enfoque da renda para os ativos, incluída a riqueza herdada, nos permitiu transformar o modelo investigativo e aprofundar o quadro cronológico de volta à Revolução Industrial, estudando a dinâmica em ação no século XIX. Quanto às semelhanças entre os países, precisam ser extraídas dos dados e estabelecidas na análise. Tentei fazê-lo sem desprezar as histórias nacionais de riqueza, como, por exemplo, o papel desempenhado pelo capital do comércio de escravos nos Estados Unidos, o modelo Rhineland na Alemanha ou a escala da dívida nacional britânica no século XIX, que inchou a riqueza privada ao criar os rentistas financeiros, além dos rentistas fundiários existentes.
A situação era diferente na França, pois a dívida nacional foi liquidada diversas vezes e a nacionalização teve um papel central. Assim, cada país tem suas especificidades e sua própria história cultural. As reações nacionais à desigualdade também dependem de como o país percebe a si mesmo em relação aos outros. Os Estados Unidos muitas vezes justificaram sua desigualdade interna por meio de comparação com a europeia. Ou a Europa era vista como uma terra de privilégios, o que levou os americanos a aplicar um imposto confiscatório às rendas mais altas no início do século XX, para evitar parecer-se com a velha Europa, que eles consideravam extremamente desigual, ou, inversamente, eles denunciavam o coletivismo e o igualitarismo europeus, como aconteceu em décadas recentes. Cada país considera seu modelo intrinsecamente mais justo. No século XX, os Estados europeus partilharam a experiência de duas guerras mundiais.
A dinâmica da desigualdade evoluiu de modo semelhante em todos eles: as disparidades cresceram rapidamente durante aBelle Époque, com uma concentração de riqueza inédita, depois declinou gradualmente após 1914 devido às transformações sociais causadas pelo conflito, a descolonização e o desenvolvimento do Estado do Bem-Estar Social. A partir da década de 1980, voltaram a crescer. Os países sofreram graus diferentes de destruição material em 1914-1918 e em 1939-1945, mas os choques políticos e os pesos dos gastos de guerra tiveram efeitos semelhantes sobre suas economias.
Isso valeu para o Reino Unido, que sofreu menos destruição que a França ou a Alemanha, entretanto saiu da Segunda Guerra Mundial com sua riqueza privada muito reduzida. Durante os “30 anos gloriosos”, essa redução nos níveis de riqueza privada levou à ilusão de que havíamos entrado em uma nova fase de capitalismo, uma espécie de capitalismo sem capital, ou ao menos sem capitalistas. Mas o capitalismo não havia sido superado de qualquer maneira estrutural. Ao contrário, esta era essencialmente uma fase transitória de reconstrução. A riqueza foi restabelecida, embora gradualmente. É apenas hoje, no início do século XXI, que encontramos os mesmos níveis de riqueza que nos anos anteriores à Primeira Guerra Mundial: cerca de seis vezes a renda nacional anual, em oposição a pouco mais que o dobro da renda nacional nos anos 1950.
Como isso afetou os países?
As diferenças nacionais persistem, é claro. Na Alemanha o índice de valorização do capital foi menor que na França, porque, entre outras coisas, no modelo Rhineland a propriedade das empresas é dividida entre acionistas e empregados. Apesar disso, ainda há tendências gerais, notadamente as de que os índices de crescimento são menores que os retornos sobre o capital e, consequentemente, a tendência é de que as desigualdades aumentem em vez de diminuir. Isso aconteceu em longos períodos da história humana, com exceção do século XX.
A tese da convergência, de diminuição da desigualdade automaticamente conforme o capitalismo evolui, tem frágeis bases teóricas e empíricas. Ela se baseia amplamente em uma hipótese formulada por Simon Kuznets nos anos 1950. Ele observou um estreitamento das diferenças de renda nos Estados Unidos entre 1910 e 1940. Os economistas quiseram acreditar nesses resultados otimistas e os transformaram em lei. Na realidade, essa redução das desigualdades se deveu em muito às guerras mundiais, mas os indivíduos puseram na cabeça que havia algum mecanismo teórico universal que produzia uma tendência para a harmonia.
Outro fator foi que na verdade houve poucos estudos históricos da desigualdade, em parte por causa da separação disciplinar entre história e economia. Eu pretendi dar uma visão equilibrada da dinâmica em jogo. Existem, é claro, algumas forças de convergência, a mais notável a difusão do conhecimento. Atualmente, os níveis per capita de produção são muito semelhantes entre os países capitalistas avançados: Europa, Estados Unidos, Japão têm renda média anual per capita de aproximadamente 30 mil euros em todos eles. É possível que esse processo de convergência continue e inclua alguns países emergentes. Mas, se examinarmos a dinâmica da riqueza, há pressões poderosas no sentido da divergência, tanto no interior dos países quanto em nível global. Em um mundo de crescimento fraco, o fato de os retornos sobre o capital serem mais altos que os índices de crescimento tende automaticamente a aumentar as desigualdades de riqueza herdadas.
O crescimento pode compensar o processo de concentração?

Sim, mas o crescimento fraco não pode compensar muito. A maior produtividade e o aumento da população tornaram possível equilibrar a equação de Marx e evitar a queda tendencial dos retornos. Mas o ponto de equilíbrio só pode ser alcançado em um nível extremamente alto de acúmulo e concentração de riqueza, incompatível com os valores democráticos. Não há nada na teoria econômica que garanta que o nível de desigualdades no ponto de equilíbrio será aceitável. Tampouco algo garante a presença de mecanismos de estabilização automáticos que poderiam criar um equilíbrio geral.
O que acontece com o capital?
Alguns afirmaram que o índice de retorno sobre o capital declinará “naturalmente” até o nível da taxa de crescimento. Historicamente, não há evidência disso. Ao longo da maior parte da história humana o índice de crescimento foi zero, mas ainda havia um retorno sobre os ativos, geralmente um retorno médio de 4%, 5% do aluguel da terra. Essa foi a base da ordem social, pois permitiu que um grupo, a aristocracia fundiária, vivesse dessa renda. O fato é que o índice de retorno sobre os ativos foi constantemente mais alto em longo prazo do que o índice de crescimento. Isso não representa qualquer problema lógico, mas levanta a questão de se a reprodução e o reforço da desigualdade que tal proporção cria é aceitável em um contexto democrático.
Como o senhor vê a Europa hoje?
Quando o presidente do Banco Central EuropeuMario Draghi, é perguntado sobre o que se deve fazer para salvar a Europa, diz que precisamos combater o rentismo, quer dizer, abrir setores protegidos como os táxis e as farmácias, como se somente a concorrência pudesse expurgar a renda econômica. Mas o fato de que os retornos sobre o capital são maiores que o índice de crescimento não tem nada a ver com monopólios, e não pode ser resolvido com mais concorrência. Ao contrário, quanto mais puro e competitivo for o mercado de capitais, maior a lacuna entre o retorno sobre o capital e o índice de crescimento. O resultado final é a separação entre proprietário e administrador. Nesse sentido, o próprio objetivo da racionalidade do mercado vai contra o da meritocracia.
O objetivo das instituições de mercado não é produzir justiça social ou reforçar os valores democráticos. O sistema de preços não conhece limites nem moral. Embora indispensável, há coisas que o mercado não pode fazer, para as quais precisamos de instituições específicas. Com frequência se acredita que as forças naturais da concorrência e do crescimento por si só embaralharão incessantemente as posições individuais. Mas no século XX foram principalmente as guerras que deitaram por terra o passado e redistribuíram as cartas. A concorrência em si não garantirá a harmonia social e democrática.
O Capital no Século XXI reafirma a importância da história econômica, o que exige o envolvimento com as outras ciências sociais.
Considero-me um cientista social tanto quanto economista. Quando você estuda questões como a distribuição de riqueza, os limites são fluidos e as abordagens devem por necessidade ser combinadas. Depois de terminar meu doutorado naÉcole Normale Supérieure, passei o início dos anos 1990 nos Estados Unidos, no MIT, e em outros lugares, e fiquei muito chocado com a autossatisfação dos economistas das universidades de lá. Eles estavam convencidos de que seus métodos eram muito mais científicos que os de seus colegas nas chamadas ciências “brandas”, como sociologia, história, antropologia. Mas sua “ciência” muitas vezes era altamente ideológica. Ao contrário do que às vezes se ouve dizer, os dados históricos existem, basta ter tempo para reuni-los. Não tenho nada contra a teoria, mas ela deve ser usada com parcimônia: uma pequena quantidade de teoria pode explicar muitos fatos. Mas, na maior parte do tempo, os economistas fazem o oposto. Eles enchem o ar de teorias e dão a si mesmos a ilusão de ser científicos, embora sua base factual possa ser extremamente frágil.
Em vários pontos o senhor usa a literatura para comunicar a natureza mutável da desigualdade. Nas obras de Balzac e Austen, os ativos e as rendas dos personagens são anotados de maneira sistemática. Na literatura contemporânea, essa escala se perde: há pouco registro das condições econômicas dos personagens. As desigualdades adquiriram uma espécie de invisibilidade cognitiva, de forma a torná-las mais aceitáveis socialmente?

O livro deriva em grande parte do temor de que, pouco a pouco, as estruturas sociais mudem de maneira irremediável, sem nos darmos conta. A dinâmica não é prontamente inteligível, e há um risco real de que acordemos para descobrir uma sociedade ainda mais desigual que a do século XIX, pois combinará a arbitrariedade das desigualdades herdadas com um discurso de meritocracia que torna os “perdedores” responsáveis por sua situação (sua produtividade é muito baixa, por exemplo). O potencial para representar essas desigualdades na literatura foi reduzido, entre outras coisas, pelo desaparecimento dos parâmetros monetários. No século XIX, quando não havia inflação, estes eram marcados em pedra. Todo leitor imediatamente entendia o que se pretendia pelas quantias mencionadas em Balzac e Austen. Mas o crescimento e a alta inflação do século XX eliminaram esses parâmetros. Os números envelhecem rápido, e hoje podemos até achar difícil relacionar um salário dos anos 1990 a um determinado padrão de vida ou poder aquisitivo.

O mundo caminha para ser mais desigual que no século XIX?
De maneira mais geral, a fé coletiva no progresso e na elevação dos padrões de vida significa uma recusa a imaginar um mundo moderno tão desigual quanto o dos anos 1800. É claro que ainda não chegamos lá, e não quero cair no catastrofismo. Mas, sob certas condições, poderia acontecer. Existe uma cegueira deliberada para a lógica da dinâmica contemporânea. Os departamentos nacionais de estatísticas se negam a publicar as rendas mais altas. Em geral elas não passam do 90º percentil. Oficialmente, para não “incitar o populismo” e a inveja. Com essa lógica, teria sido possível fazer um relatório em 1788 dizendo que tudo estava bem, já que a aristocracia formava apenas 1% ou 2% da população. Mas em um país como a França ou a Grã-Bretanha, 1% ainda são 500 mil ou 600 mil cidadãos.
Nos Estados Unidos são 3 milhões. Essa quantidade ocupa um grande espaço. Eles estruturam uma ordem social. O objetivo não é incitar o ciúme; as distinções sociais não representam problemas se forem úteis para todos, como deixa claro o Artigo 1º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 (“As distinções sociais só podem se basear na utilidade comum”). Mas elas têm de ser reguladas quando começam a ir contra o bem comum. Representa uma real abdicação da responsabilidade quando pesquisadores e instituições públicas deixam de descrever as desigualdades existentes em termos precisos. Isso deixa o campo aberto a rankings de riqueza de revistas como Forbes ou os Relatórios de Riqueza Global feitos pelos grandes bancos, que assumem o papel de “produtores de conhecimento”. Mas a base metodológica de seus dados permanece imprecisa. Os resultados são amplamente ideológicos, um hino ao empreendedorismo e às fortunas bem merecidas.
Além disso, o simples fato de enfocar os “500 mais ricos” é uma maneira de despolitizar a questão da desigualdade. O número é tão pequeno que se torna insignificante. Parece mostrar as desigualdades extremas, mas na realidade dá uma imagem emoliente.
As desigualdades têm de ser apreendidas de maneira mais extensa. Se tomarmos as fortunas de mais de 10 milhões de euros, em vez de mais de 1 bilhão, elas são uma proporção muito significativa da riqueza total. Precisamos das ferramentas certas para representar a desigualdade.
O movimento americano do 99% foi uma maneira de fazê-lo. Enfocar o 1% mais rico torna possível comparar sociedades diferentes que de outro modo seriam incomensuráveis. Falar sobre “altos executivos” ou “rentistas” pode parecer mais acurado, mas esses termos são historicamente específicos.
Por que o senhor defende a taxação como uma solução?
O que defendo não é apenas um imposto qualquer, mas um imposto progressivo sobre o capital, mais adequado que o imposto de renda para o “capitalismo patrimonial” do século XXI, o que não quer dizer que o imposto de renda deva ser abolido. Um imposto sobre o capital privado é crucial para combater as crescentes desigualdades, mas também seria um instrumento útil para resolver crises de dívida pública, com contribuições de cada um, segundo sua riqueza. Isso seria o ideal, difícil, mas indispensável de se alcançar. No centro de cada grande revolução democrática do passado houve uma revolução fiscal, e o mesmo valerá para o futuro.
A inflação é um imposto sobre o capital dos pobres. Ela reduz o valor dos pequenos ativos – balanços de bancos individuais, enquanto as ações e os imóveis são protegidos. Não é a solução certa, mas é a mais fácil. Outra possibilidade é impor um longo período de penitência, como fez o Reino Unido no século XIX para eliminar sua dívida. Mas isso pode demorar décadas, e no final se gasta mais em juros da dívida do que em investimento na educação. De muitas maneiras, a dívida do governo é um falso problema: representa um empréstimo feito por nós mesmos.
Em termos de riqueza privada, a Europa nunca foi tão rica. Os Estados é que estão pobres. Então o problema é de distribuição. Essa simples realidade foi esquecida. A Europa tem enormes vantagens: seu modelo social, seus padrões de vida herdados. Ela representa 25% do PIB global. Tem espaço geográfico suficiente para regular o capitalismo com eficácia. Mas não antevê seu próprio futuro.
O senhor confia que seus dados captam plenamente o acúmulo de riqueza em sociedades empresariais, como o fundo de trilhões de dólares administrado pela BlackRock?
O principal motivo pelo qual precisamos de transparência financeira, um registro global dos ativos financeiros, assim como um imposto global sobre o capital, é exatamente porque precisamos de um conhecimento mais democrático de quem possui o quê. Há uma considerável incerteza hoje sobre o nível exato de concentração de riqueza, e isso serve para minar a possibilidade de ter um debate informado e democrático sobre o ritmo e a forma adequados da taxação. Com base nos dados imperfeitos que reuni, acho que precisamos de um imposto sobre o capital acentuadamente progressivo para mantermos sob controle a dinâmica da concentração de riqueza global. Mas, em primeiro lugar, creio que precisamos de mais transparência financeira para produzir fatos comumente aceitos.
Que papel a posição enfraquecida da força de trabalho teve no aumento das desigualdades desde os anos 1980?
A redução das desigualdades de renda entre 1914 e 1975 se deveu tanto aos choques das duas guerras mundiais quanto às reações políticas que se seguiram. Mudanças políticas radicais, entre elas o aumento da taxação progressiva, a seguridade social, o trabalho organizado e assim por diante, tiveram um papel enorme. Minha tese é simplesmente que essas mudanças, incluídas, é claro, a revolução bolchevique e a resultante ameaça no Leste, foram amplamente produtos dos choques induzidos pelas guerras e a Grande Depressão. Antes de 1914, não havia tendência natural à redução da desigualdade. O sistema político era formalmente democrático, mas não reagiu realmente ao nível alto e crescente de concentração de riqueza.
A redução da desigualdade durante o século XX foi principalmente o produto de violentas rebeliões políticas, e não tanto da democracia eleitoral pacífica. A queda do comunismo por volta de 1990 também contribuiu claramente para a ascensão de uma fé ilimitada no capitalismo privado do laissez-faire nas décadas de 1990 e 2000.