quarta-feira, julho 30, 2014

Há cem anos, a barbárie

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Há cem anos, a barbárie

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Captura de tela de 2014-07-29 08:29:38
Num mundo novamente marcado por militarização, xenofobia e arrogância imperial, vale examinar de perto origens da I Guerra Mundial, que completou um século ontem
Por David P Goldman | Tradução Vila Vudu | Imagem: John Singer Sargent, Gassed
Nenhum desastre na história do mundo foi mais previsível nem de preparação mais demorada. O grande romance de Robert Musil, O homem sem qualidades,[1] mostra a elite vienense nos meses antes da guerra, com suas preocupações pequenas, sem se dar conta de que o mundo dela estava às vésperas de sumir. É o maior antirromance europeu, porque a premissa autorreferencial – os protagonistas não sabem o que todos os leitores sabem – impede que o romance tenha fim. Não há escolhas certas, porque nada pode impedir que aquele mundo-bolha exploda. Depois de Musil – meta-Musil, por assim dizer – vem a grande evacuação. O romance é considerado obra-prima no mundo de língua alemã. Poucos norte-americanos o conhecem e, dentre esses, ainda menos são os que compreendem o romance.
Agora, quando se aproxima o 100º aniversário da 1ª Guerra Mundial, ouviremos número infindável de variações de lamentos pela Civilização Ocidental. Todos dirão mais ou menos o seguinte: no auge de sua prosperidade, de descobertas científicas e de realizações de grande arte, as nações europeias, de repente, inexplicavelmente, mergulharam em massacres mútuos e prepararam o terreno para o grande massacre que viria, de 1939 a 1945. Nada disso. Está errado, simplesmente errado.
A Europa já fizera a mesma coisa antes, por duas vezes: primeiro, na Guerra dos 30 Anos, de 1618-1648; e depois, outra vez, nas Guerras Napoleônicas, de 1797-1814.
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As baixas francesas nas Guerras Napoleônicas foram comparáveis às da 1ª Guerra Mundial, em relação à população. A França perdeu de 1,4 a 1,7 milhões de homens, sob Napoleão, de uma população total de 29 milhões. Tipicamente, no século 18, homens de 17-49 anos constituíam 1/5 da população. O total de contingente militar humano da França napoleônica era de menos de 6 milhões de homens, o que significa que as baixas alcançaram 23-28% do total da população masculina ativa, mais do que na 1ª Guerra Mundial. Muitos mais de outras nações também morreram; dos 500 mil soldados do exército poliglota de Napoleão que marchou para a Rússia em junho de 1812, só 16 mil voltaram.
Os eventos de 1914-1939, como Winston Churchill disse bem, foram “uma segunda Guerra dos 30 Anos”. De fato, a primeira Guerra dos 30 Anos foi, em vários sentidos, pior. Matou quase metade da população da Europa Central e deixou vazias grandes áreas da Espanha e da França.
Obnubilados como somos pela ideia de Progresso, do Iluminismo, rapidamente apagamos o precedente de nossos próprios problemas. Na leitura ‘das Luzes’, a Guerra dos 30 anos foi conflito religioso, a última orgia de sangue da superstição medieval, antes que a Idade da Razão varresse de vez as teias do fanatismo. É absolutamente falso: depois da revolta inicial, abortada, dos Protestantes da Boêmia contra o Império Austríaco, a Guerra dos 30 Anos tornou-se conflito franco-espanhol, luta de fanáticos dos dois lados, que acreditavam que a respectiva nação teria sido escolhida por Deus para ser agente Dele na Terra. Foi guerra religiosa, afinal de contas, mas guerra entre duas leituras nacionalistas pervertidas do cristianismo católico. A mesma megalomania etnocêntrica impeliu as nações da Europa na direção de 1914.
A guerra poderia ter sido evitada, afinal; e montar cenários nos quais teria sido evitada é uma espécie de prática artesanal doméstica, para historiadores. Esses cenários são mal disfarçadas “lições” de política para o presente. Sou autor de um livro desses, de cenário em que a guerra seria evitada, a saber, uma guerra alemã preventiva contra a França durante a Primeira Crise do Marrocos de 1906 (vide Why war comes when no one wants it, Asia Times Online, 2/5/2006).
As causas objetivas da guerra são bem conhecidas e infindavelmente analisadas. A Alemanha tinha a economia e população que mais rapidamente cresciam; os rivais, para conter sua influência, a cercaram.
– Com a população estagnada, a França não poderia esperar reconquistar para si as províncias da Alsácia e Lorena, que perdera para a Alemanha em 1870 – nem vencer qualquer guerra futura, a menos que fosse guerra imediata. Da paridade em meados do século 19, em 1914 a população alemã já era 1,5 vezes maior que a da França.
– A Alemanha não poderia concentrar seu exército num ataque esmagador contra a França, se esperasse até a Rússia ter construído sua rede ferroviária interna.
– O Império Austro-Húngaro  não conseguiria manter as etnias fracionadas em seu interior, sem castigar a Sérvia. Não poderia garantir direitos iguais aos sérvios, sem provocar os húngaros, que tinham posição privilegiada; só restava suprimir os primeiros.
– A Rússia não poderia manter controle sobre a parte oeste industrializada do império – Polônia, Ucrânia, os estados do Báltico e a Finlândia – se a Áustria humilhasse seu aliado sérvio, e a Rússia dependia dessas províncias para o grosso dos impostos que arrecadava.
– A Inglaterra não poderia manter o equilíbrio de poder na Europa, se a Alemanha esmagasse a França.
Nenhuma dessas potências conseguiria prosseguir sem encarar risco existencial: no caso da França, uma posição enfraquecida, sem esperanças, ante a Alemanha; no caso da Alemanha, uma eventual ameaça por uma Rússia industrializada; no caso da Áustria, rompimento do Império, por efeito de agitação eslavófila; no caso da Rússia, a perda das províncias do oeste, que cairiam na órbita teutônica; e no caso da Inglaterra, a irrelevância no continente, com desafio inevitável contra seu poderio nos mares.
Há vários excelentes relatos dos eventos que levaram à eclosão da guerra em agosto de 1914, um mais recente dos quais é Os Sonâmbulos, de Christopher Clark.[2] Cada um dos combatentes, de fato, dar-se-ia melhor se conseguisse declinar dos combates. Mas isso significaria abrir mão da reivindicação de superioridade nacional que motivara os combates. Combateram, em outras palavras, não porque tivessem, no sentido estrito da palavra, de combater, mas por causa do tipo de gente que eram. Evan deixa implícito que não estariam raciocinando. Mas com o quê, então, estariam sonhando?
Os europeus lutaram a Grande Guerra de 1914 para evitar converterem-se no que são hoje. Mas, como o homem na história de Somerset Maughan,[3] que tinha encontro com a morte em Samarra, deram um jeito de apressar o encontro.
Ainda causa escândalo na Alemanha, que o maior romancista alemão do século 20, Thomas Mann, tenha saudado com entusiasmo a chegada da guerra. Tinha o “coração incendiado” na declaração de guerra, e “sinto-me em triunfo com o colapso do odiado mundo da paz, com a desgraça da corrompida ‘civilização’ mercantil-burguesa, eternamente inimiga do heroísmo e do gênio.” Mann louvou o “indispensável papel, como missionário”, da Alemanha; contrastou a Kultur alemã à mercenária Zivilisation ocidental.
Mann capturara o humor nacional. A Alemanha combateu a 1ª Guerra Mundial sob o estandarte da Kultur. Em 1915, 93 dos principais intelectuais e artistas alemães assinaram manifesto em que justificavam o clamor da Alemanha por guerra, em nome da superioridade cultural. Esse é o cerne de uma fala de feia fama de Hans Johst, autor de uma peça teatral de propaganda nazista, Schlageter,[4] apresentada no aniversário de Hitler, depois de os nazistas terem chegado ao poder, em 1933: “Quando ouço a palavra ‘cultura’, solto a trava da minha pistola.” Entende-se, em geral, que essa fala mostraria que os nazistas eram analfabetos, o que não é verdade; Hitler era pintor, mau pintor, mas pintor; e amante da música. Na verdade, sempre manifestou rancor contra o sacrifício inominável que o velho regime exigia, a serviço dos velhos ideais.
Thomas Mann entusiasmava-se com a estética da guerra: as mesmas qualidades e as mesmas atitudes que dão forma à arte dão forma à guerra. Por estranho que soe, por mais que perturbe, Mann estava absolutamente certo: a arte e a guerra exigem o mesmo irrestrito comprometimento existencial.
Num artigo de 2010,[5] argumentei que isso ajuda a explicar por que os israelenses tão frequentemente são músicos tão notáveis, os melhores musicistas do mundo clássico. Não apenas herdaram muitos dos melhores professores da Europa Central, mas, como nação, amam e buscam, muito mais do que temem e rejeitam, o risco; e o que faz as grandes interpretações musicais é um senso de risco. “Und setzet ihr nicht das Leben ein/Nie wird euch das Leben gewonnen sein” cantam os soldados da cavalaria de Wallenstein, no drama de Schiller, de 1799, sobre a Guerra dos 30 Anos: se você não aposta a própria vida, não ganha a vida para você mesmo. Com a Alemanha destroçada em 1945, Mann declarou então que a cultura alemã chegara ao fim. Esse é o ponto de seu grande romance do pós-guerra, Doutor Fausto:[6] o protagonista, Adrian Leverkuhn, enlouquece compondo uma cantata atonal cujo objetivo é “retomar” a 9ª Sinfonia de Beethoven – para substituir por aleatoriedade vazia, a harmonia ordenada do passado europeu.
Os asiáticos, que abraçaram em grandes números a música clássica ocidental, devem estranhar muito que essa arte magnífica seja tão negligenciada em suas terras de origem. A resposta é que nós, no ocidente, nós todos, soltamos a trava da pistola quando ouvimos a palavra “cultura”. A cultura harmoniosa, ordeira e otimista da Europa de pré-1914 é carregada de lealdade à tradição, quer dizer: de atitudes que nos levaram para as trincheiras. Desprezamos a cultura, porque abominamos a autoridade, a tradição, a lealdade, quer dizer, virtudes que os asiáticos ainda cultivam. Abominamos arte que exija de nós que reconheçamos autoridade superior – do gênio subordinado à tradição, ao precedente – e preferimos uma cultura popular que tudo nivelaria, com a qual nós podemos nos identificar como supostos iguais (vide American IdolatryAsia Times Online, 29/8/2006). Mas há uma dimensão da arte ocidental – a abertura para o risco – que a maioria dos asiáticos tem muita dificuldade para entender.
O importante historiador católico George Weigel[7] observa que, em 1914, até o clericato católico “bebeu fundo no poço de um nacionalismo que parecia além do alcance da crítica cristã moral. Assim, quando o Colégio de Cardeais reuniu-se em setembro de 1914 para eleger um sucessor do Papa Pio (…), o cardeal alemão Felix von Hartmann disse ao cardeal belga Desiré Mercier “Espero que não tenhamos de falar de guerra”, ao que Mercier respondeu de bate pronto: “E eu espero que não tenhamos de falar de paz.”
Weigel cita o capelão alemão que cantava “Fúria sobre a Alemanha! Oh, grande guerra santa da liberdade!”, e o bispo anglicano de Londres, que conclamava os fiéis de sua congregação a matar alemães: “Matem-nos, não matar por matar, mas matar para salvar o mundo; matar os bons, e também os maus. Matar.” Weigel pensa que esse nacionalismo maligno tem raízes no século anterior à 1ª Guerra Mundial. Não concordo. A megalomania da “nação eleita” motivou franceses e espanhóis, os dois lados da Guerra dos 30 Anos. Como escrevi em meu livro de 2011, How Civilizations Die (and Why Islam is Dying, Too) [Como as civilizações morrem (e por que o Islã também está morrendo)]:
“Não só os interesses temporais do estado francês, mas a crença apaixonada em que a França seria A Nação Eleita, motivaram Richelieu e Tremblay a prolongar as guerras religiosas dos anos 1620s por trinta anos, matando vasta proporção da população da Europa Central (…) Se a Guerra dos 30 Anos foi genuinamente guerra religiosa, de católicos contra protestantes, a França, como o mais poderoso país católico, deveria ter apoiado a Áustria católica. Mas a França não podia apoiar a demanda das dinastias Habsburgo austríaca e espanhola, que queriam o título imperial e o direito de representar a Cristandade. E a França, em vez de apoiar, decidiu arruinar a Áustria e a Espanha, para estabelecer-se ela mesma.
Como os franceses (…) a corte espanhola também acreditava que a Espanha era a nação escolhida por Deus como sua Procuradoria terrena. O monge e teórico político Juan de Salazar escreveu, em 1619, em seu tratado Politica Española que “os espanhóis foram eleitos para realizar o Novo Testamento assim como Israel foi eleita para realizar o Velho Testamento. Os milagres com que a Providência favoreceu a política espanhola confirmam essa analogia do povo espanhol com o povo judeu, de modo que a similaridade dos eventos em todas as épocas, e o modo singular como Deus manteve a escolha e o governo do povo espanhol, declaram que esse é o povo escolhido pela lei da graça, assim como o outro foi o escolhido antes, no tempo das escrituras (…) Daí se pode concluir, das atuais circunstâncias, como das sagradas Escrituras, que a monarquia espanhola perdurará por muitos séculos e será a última monarquia.” Segundo Stanley Payne, aí se vê “atitude não incomum na corte e em parte da elite de Castela.”
E adiante:
“A atormentada urgência de cada nação de ser ‘a escolhida’, experimentada na pele, começou com a primeira conversão de pagãos europeus; estava incorporada na Cristandade Europeia, na fundação. Cronistas cristãos põem os monarcas europeus recém batizados no papel de reis bíblicos; e suas nações, no papel da Israel bíblica. A primeira vez que se ouviu autoproclamação como ‘nação escolhida’ foi no auge da primeira das Idades das Trevas: do cronista do século 6º, São Gregório de Tours (538-594); e do clérigo ibérico do século 7º, Santo Isidoro de Sevilha.”
Os Santos Isidoro de Sevilha e Gregório de Tours foram, de certo modo, os Bialystock e Bloom,[8] da Idade das Trevas; os Produtores do show “a fundação da Europa”: venderam 100% do show a cada um e a todos os reizinhos. Não se pode culpar os produtores. Transmutar os invasores bárbaros que infestavam o arruinado império dos romanos em cristãos foi, talvez, o mais notável feito político de toda a história mundial, mas requereu muita lábia, que teria consequências assustadoras, chocantes, no longo prazo. Os restos das imundícies do velho paganismo europeu acumularam-se nos enroscados intestinos da Europa, até que os terríveis eventos de 1914-1945 puseram tudo para fora.”
A visão autenticamente católica de um império universal não conseguiu impor-se, ela própria, sobre os reclamos mais tangíveis de sangue e terra. Os europeus não lutaram as guerras de 1618, 1814 ou 1914 como cristãos, mas como criptopagãos. Essa foi a discussão entre os críticos judeus, de Heinrich Heine a Franz Rosenzweig e Siegmund Freud. Freud escreveu:
“Não podemos esquecer que todos os povos que hoje se destacaram na prática do antissemitismo só se tornaram cristãos em tempos relativamente recentes, às vezes obrigados por compulsão sangrenta. Pode-se dizer que todos foram ‘mal batizados’ [tb ‘mal cristianizados’ (NTs)]; sob um fino verniz de cristianismo, permaneceram o que seus ancestrais sempre foram, barbaramente politeístas. Ainda não superaram o ressentimento e a rejeição que lhes inspira a nova religião, que foi imposta a eles; e que eles projetaram sobre a fonte da qual veio a eles o cristianismo.”[9]
Os homens não são moderados. Não somos tão diferentes de nossos pais como gostamos de crer. Os europeus hedonistas, sem filhos, de hoje, são o mesmo povo que lutou e morreu aos milhões pelo rei pelo país em 1618 ou 1814. Qualquer coisa pela qual valha a pena viver vale também que se morra por ela; se não se consegue pensar em nada por que morreríamos, implica que tampouco temos algo por que viver – exatamente como os europeus de hoje. A Europa aprendeu por muito tempo que sangue e terra, Kultur e Grandeur, eram itens pelos quais não valeria a pena lutar. Mas a Europa nada encontrou, pelo qual viver, depois que rejeitou para sempre os deuses nacionais de seu passado violento. Está morrendo de nervoso e tédio, desgostosa do próprio passado e descuidosa do próprio futuro, sem querer pôr filhos no mundo nem, que fosse, para assegurar a própria sobrevivência por mais um século.
“Muito foi salvo”, escreveu um soldado da Grande Guerra, J R R Tolkien, mas “muito tem agora de morrer.” Apesar de Hans Johst, a cultura europeia não morrerá: como aconteceu com a guarda da cultura grega clássica, que passou para as mãos de europeus, a arte europeia – pelo menos, com certeza, sua música – passará para as mãos de asiáticos.
__
[1] MUSIL, Robert [1880-1942], O homem sem qualidades (1930-33-43), Nova Fronteira, 1978, trad. Lya Luft e Carlos Abbenseth, 2 vol., 786 pp (romance inacabado).
[2] CLARK, Christopher. Os sonâmbulos: como eclodiu a primeira guerra mundial, 1914. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
[3] “Encontro com a morte em Samarra”. É o trecho final de uma peça escrita por Somerset Maughan em 1932. Lê-se, em português, em http://warj.med.br/memo/samarra.asp [NTs].
[4] Sobre o personagem título, ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Albert_Leo_Schlageter
[6] MANN, Thomas [1875-1955]. Doutor Fausto (1947), Rio de Janeiro: Nova Fronteira, trad. Herbert Caro, s/d.
[8] Referência aos personagens do filme The Producers, primeiro filme de Mel Brooks, de 1968 (Zero Mostel faz o papel de Max Bialystock, produtor de uma peça teatral; e Gene Wilder é Leo Bloom, seu secretário). Sobre o filme, ver http://en.wikipedia.org/wiki/The_Producers_(1968_film). Em português, lê-se alguma coisa (de segunda mão, em O Estado de S.Paulo, em 1969) sobre a peça teatral (“Os Produtores”) que foi montada no Brasil, http://cultura.estadao.com.br/noticias/artes,os-produtores-traz-humor-escrachado-de-mel-brooks,52249. Talvez ajude a entender a metáfora [NTs].
[9] FREUD, S. Moisés e o monoteísmo (1939 [1934-38]). In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976. v. XXIII.

terça-feira, julho 29, 2014

O fardo do Homem Branco

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O fardo do Homem Branco

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A woman grieves during the funeral of the four Palestinian children from the Baker family, whom medics said were killed by a shell fired by an Israeli naval gunboat, in Gaza City
16/7: mulher lamenta morte de quatro crianças que brincavam na praia, em Gaza, e foram atingidas por bomba disparada pela marinha israelense
Cumplicidade com genocídio dos palestinos marca declínio do Ocidente. E cada criança morta é um prego no caixão da velha democracia
Por Nuno Ramos de Almeida
Em 1899, os Estados Unidos da América discutiam no Congresso a anexação das antigas colônias espanholas que tinham lutado pela sua independência, nomeadamente as Filipinas. Nessa altura, o poeta britânico Rudyard Kipling escreveu um poema apologético para declarar que o facho da civilização tinha passado das mãos do Reino Unido. “O Fardo do Homem Branco” defendia que passara a caber a Washington tratar dos selvagens para o bem deles, sem contar com o seu agradecimento. Os nativos do mundo tinham de ser dirigidos pelas potências ocidentais. Eram homens inferiores, de civilizações fracas que precisavam de ouvir a voz do dono. Os agitadores deviam ser castigados e eliminados, se necessário por meios violentos. Os selvagens deviam ser controlados, para seu bem. Assim começava a declaração de bondade civilizadora:
Tomai o fardo do Homem Branco,
Enviai vossos melhores filhos.
Ide, condenai seus filhos ao exílio
Para servirem aos seus cativos;
Para esperar, com arreios
Com agitadores e selváticos
Seus cativos, servos obstinados,
Metade demônios, metade crianças.
Entre o consenso dos meios de comunicação e dos poderosos, houve um homem que não se calou. O escritor que assinava Mark Twain, autor das As Aventuras de Huckleberry Finn, respondeu com um artigo em plena euforia “civilizadora”, quando os poderosos norte-americanos abriam garrafas de champanhe pela anexação das ilhas do Havaí, de Samoa e das Filipinas, de Cuba, Porto Rico e de uma ilhota que se chama, eloquentemente, dos Ladrões. Perante isto, Mark Twain faz uma singela proposta, pede que se mude a bandeira nacional: que sejam negras, diz, as listas brancas, e que umas caveiras com tíbias cruzadas substituam as estrelas e assumam a verdadeira identidade de piratas.
Em pleno século XXI pouco mudou. Somos governados por piratas: a cumplicidade dos governos ditos civilizados, e da sua obediente comunicação social, com o genocídio dos palestinos, é reveladora da manutenção da ideia de que há seres humanos mais humanos que outros. Os palestinos são para essa gente verdadeiros homo sacer, que podem ser mortos e torturados, segundo o direito romano nos tempos do Império, sem nenhuma sanção legal ou moral. Há gente que acha que Israel é uma democracia e por isso tem o direito de assassinar crianças palestinas. Há colaboracionistas ditos de esquerda que defendem que, como em Israel a situação dos gays e das mulheres é melhor que nos países árabes, as tropas hebraicas têm licença para destruir as casas palestinianas e matar as mulheres e crianças de Gaza.
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Ironia da história, a operação ideológica que permite aos assassinos justificar o sangue derramado é a mesma que permitia aos nazistas justificar aos alemães a solução final. Para os nazis, os judeus eram sub-humanos, e por isso podiam ser mandados para as câmaras de gás; para os “democratas ocidentais” os palestinos são criaturas culpadas pela sua morte e as bombas israelitas são a garantia da paz.
A atitude de apoio ao genocídio dos governos europeus põe em causa a própria democracia. Nem todos chegam ao nível de sabujice reles do líder socialista francês François Hollande, que proíbe manifestações contra a invasão israelita em Paris e manda a polícia de choque disparar contra os manifestantes, mas é preciso dizer que uma democracia não é definida pela forma como trata os poderosos, mas pela forma como trata os mais desprotegidos. Israel não é uma democracia, não porque não trata bem os judeus, mas porque funciona como um regime de apartheid para a sua população árabe e como um regime nazi para os palestinos. O mesmo sucede com a Europa Ocidental: não existirá democracia enquanto permitirmos, sem reagir, o massacre dos palestinos. A luta pela paz e uma Palestina independente é um combate pela nossa liberdade e pela afirmação dos seres humanos contra as bestas.

sexta-feira, julho 18, 2014

Biodiversidade: Protocolo de Nagoya entrará em vigor em outubro

ihu
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Biodiversidade: Protocolo de Nagoya entrará em vigor em outubro

Tratado de acesso e repartição de benefícios da biodiversidade recebe número necessário de ratificações. Brasil – país com a maior biodiversidade do planeta – não ratificou documento.
A reportagem foi publicada por ONU Brasil, 17-07-2014.
O Protocolo de Nagoya – oficialmente “Protocolo de Nagoya sobre Acesso a Recursos Genéticos e a Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Advindos de sua Utilização” (ABS, na sigla em inglês) – entrará em vigor dia 12 de outubro de 2014. O tratado foi ratificado por 51 Estados-membros da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD na sigla em inglês), condição para a entrada em vigor.
Nas últimas semanas, 12 países ratificaram o tratado, incluindo BelarusBurundiGâmbiaMadagascar,MoçambiqueNígerPeruSudãoSuíçaVanuatuUganda e, esta semana, o Uruguai. A sua entrada em vigor significa que a primeira reunião da Conferência das Partes na condição de reunião do Protocolo será realizada, de 13 a 17 de outubro, simultaneamente à XII Reunião da Conferência das Partes (COP) da CBD, em Pyeongchang, na Coreia do Sul, em outubro.
Brasil – país que abriga a maior biodiversidade do planeta – é signatário, mas não ratificou o documento (acesse aqui a lista de países que ratificaram).
A ratificação do Protocolo de Nagoya por 51 partes da CDB representa um passo importante para o cumprimento da 16ª Meta de Aichi, que afirma que “em 2015, o Protocolo de Nagoya sobre Acesso a Recursos Genéticos e a partilha justa e equitativa de benefícios decorrentes da sua utilização estará em vigor e operacional, de acordo com a legislação nacional”.
A entrada em vigor do Protocolo de Nagoya proporcionará maior segurança jurídica e maior transparência, tanto para provedores quanto usuários de recursos genéticos, criando uma estrutura que promove o uso de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados ao reforçar as oportunidades para uma partilha justa e equitativa de benefícios.
O protocolo criará novos incentivos para a conservação da biodiversidade e o uso sustentável de seus componentes, aumentando sua contribuição para o desenvolvimento sustentável e o bem-estar humano.
“Ferramentas práticas como o Protocolo de Nagoya são fundamentais para o uso sustentável e equitativa da biodiversidade. Congratulo os Estados-membros que ratificaram esse instrumento jurídico internacional importante. Ao cumprir a promessa feita na Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável de 2002, fizeram uma contribuição significativa para a agenda de desenvolvimento sustentável pós-2015”, disse o secretário-geral das Nações UnidasBan Ki-moon.
O brasileiro Bráulio Ferreira de Souza Dias, secretário executivo da CBD, completou: “O Protocolo de Nagoya é central para libertar o poder da biodiversidade para o desenvolvimento sustentável, através da criação de incentivos para a conservação e o seu uso sustentável, garantindo a equidade na partilha de benefícios. Felicito todas as partes que ratificaram o Protocolo, e convido outros Estados a fazê-lo a tempo de participar na reunião na Coreia do Sul”.
As seguintes partes ratificaram ou aderiram ao tratado: Albânia, Belarus, Benin, Butão, Botsuana, Burkina Faso, Burundi, Comores, Costa do Marfim, Dinamarca, Egito, Etiópia, União Europeia, Fiji, Gabão, Gâmbia, Guatemala, Guiné-Bissau, Guiana, Honduras, Hungria, Índia, Indonésia, Jordânia, Quênia, Laos, Madagascar, Ilhas Maurício, México, Estados Federados da Micronésia, Mongólia, Moçambique, Mianmar, Namíbia, Níger, Noruega, Panamá, Peru, Ruanda, Samoa, Seicheles, África do Sul, Espanha, Sudão, Suíça, Síria, Tadjiquistão, Uganda, Uruguai, Vanuatu e Vietnã.
Mais informações sobre o Protocolo de Nagoya em www.cbd.int/abs
Veja também:

domingo, julho 13, 2014

Cinco coisas que nunca agradecemos à União Soviética

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http://outras-palavras.net/outrasmidias/?p=17896


Cinco coisas que nunca agradecemos à União Soviética

Союз Советских Социалистических Республик
Embora fracassado, projeto socialista do século 20 alcançou êxitos parciais de grande relevância. Entre eles, reconhecimento dos direitos da mulher e vitória contra nazismo
Por Aanchal Anand, no Mundo Alternativo
1 – Direitos da Mulher: Enquanto algumas ilhas haviam concedido para as mulheres o direito ao voto já no século XIX, a primeira grande mudança ocorreu no começo do século XX. No ano de 1917, somente quatro países (Austrália, Finlândia, Noruega e Dinamarca) haviam adotado o sufrágio feminino. A Revolução Russa de 1917, que defendeu a igualdade de direitos para todos, difundiu o temor de que as feministas encontrassem no comunismo um sistema mais atrativo, e puderam conspirar junto com os bolcheviques para importar a ideologia nos países ocidentais. A melhor forma de cortar a raiz semelhante ameaça era conceder as mulheres o direito ao voto. A Grã Bretanha e a Alemanha legalizaram em 1918, e os EUA em 1920, outros logo tomariam o mesmo caminho. A França foi a única potência que não reconheceria esse direito até 1944.
mujer en la urss
2 – Legislação Trabalhista: Isso é bastante óbvio. Contamos com uma semana trabalhista de 5 dias, férias pagas de 2 a 4 semanas, licença maternidade, assistência de saúde, além de equipamentos de segurança para os operários, etc… Pela pressão que exerceu o comunismo sobre o capitalismo. Nunca conseguimos ver a face humana do comunismo, mas graças a URSS, foi possível ter tido a noção do lado mais humanitário frente ao capitalismo.
3 – A Segunda Guerra Mundial e a reconstrução depois da vitória: A URSS desempenhou um papel fundamental na derrota da Alemanha nazista. Stalingrado é o famoso campo de batalha que conseguiu dar trégua na guerra relâmpago (“Blitzkrieg”) e mudou o desenvolvimento da guerra. A URSS sofreu a perca de 23,4 milhões de pessoas (mais que na Alemanha e mais de 26 vezes o número de mortes que sofreram os Estados Unidos e o Reino Unido juntos). Uma vez concluída a guerra, foi desenhado o Plano Marshall devido que os países aliados do Ocidente não queriam que a Europa fosse sucumbida pelo socialismo, com a velha desculpa de que os habitantes de cada país seriam submetidos pela “doutrina da fome e da desolação”. Contudo, o Plano foi desenvolvido somente sob a condição de que os comunistas fossem excluídos dos parlamentos dos países que recebiam ajuda. Claro “exemplo de democracia”.
4 – O caminho anti-colonial: Enquanto o imperialismo alimentava a maquinaria industrial e capitalista, a URSS defendia a causa das colônias exploradas. Estendeu sua ajuda aos países que lutavam pela sua libertação e aos países que recentemente haviam conseguido sua independência. As inclinações soviéticas pela luta libertadora na Índia não são um segredo para ninguém, para um país pobre que lutava para se manter em pé, a ideologia socialista resultava naturalmente atrativa.
5 – Descobrimentos científicos: Os primeiros soviéticos lançaram o primeiro satélite, logo enviaram o primeiro cachorro, o primeiro homem e a primeira mulher ao espaço. Também desenvolveram diversos desenhos televisivos. Para resumir, não havia um Tata Sky (sistema de difusão direta pelo satélite) senão fosse pela magia soviética. Além do mais, os soviéticos também tiveram o êxito de terem criado órgãos artificiais, o primeiro helicóptero, a xerografia e também o mais famoso e célebre fúsil AK-47.
MOMENTO HISTÓRICO!
Aqui estão apenas cinco coisas a agradecer a URSS, mas poderiam selecionar outras muitas coisas como a alfabetização universal, a luta contra o fanatismo religioso e nacional, a elevação do nível de vida da classe trabalhadora, o advento da arte e da cultura e vários outros exemplos.

sexta-feira, julho 11, 2014

Oceanos estão se tornando uma sopa cheia de plásticos

carta maior
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Oceanos estão se tornando uma sopa cheia de plásticos

Oceanos estão lentamente se tornando uma espécie de sopa cheia de partículas plásticas microscópicas, passando para cadeias alimentares de todo o mundo.


Jéssica Lipinski, Instituto CarbonoBrasil
Esquerda.Net

Um estudo publicado na última semana por cientistas espanhóis no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences afirma que os oceanos estão lentamente a tornar-se uma espécie de sopa cheia de partículas plásticas microscópicas, passando para as cadeias alimentares de todo o mundo.

De acordo com a investigação, que avaliou 3.070 amostras, o problema já atingiu uma escala global, e os principais resíduos encontrados no oceano são polietileno e polipropileno, polímeros usados na fabricação de produtos como sacos plásticos, embalagens de alimentos e bebidas, utensílios de cozinha e brinquedos, entre outros.

“As correntes oceânicas carregam objetos plásticos que se quebram em fragmentos cada vez menores devido à radiação solar. Esses pedaços pequenos, conhecidos como microplásticos, podem durar centenas de anos e foram detetados em 88% da superfície oceânica analisada”, comentou Andrés Cózar, pesquisador da Universidade de Cádiz.

“Esses microplásticos têm uma influência no comportamento e na cadeia alimentar dos organismos marinhos. Por um lado, os pequenos fragmentos muitas vezes acumulam contaminantes que, se engolidos, podem ser passados aos organismos durante a digestão; sem esquecer das obstruções gastrointestinais, que são outro dos problemas mais comuns desse tipo de resíduo”, explicou Cózar.

“Por outro lado, a abundância de fragmentos plásticos flutuantes permite que muitos organismos menores naveguem neles e colonizem lugares que não teriam acesso. Mas provavelmente, a maioria dos impactos que está a ocorrer devido à poluição plástica nos oceanos ainda não é conhecida”, concluiu o cientista.

Alguns países empenhados em acabar com a proliferação dos resíduos plásticos estão a começar pelos sacos. Nos Estados Unidos, em muitos estados eles já não são utilizados, sendo substituídos por sacos reutilizáveis, biodegradáveis e de papel.

Nações insulares, como o estado de Yap, na Micronésia, que têm grande parte da sua economia baseada no turismo do mergulho e sofrem com a poluição causada pelo plástico, foram mais longe eresolveram banir o seu uso. Os comerciantes que distribuírem os famigeradas sacos terão que pagar multas de 100 dólares por violação.

A União Europa também pretende tomar medidas duras. Novas regras preveem uma redução de 80% no uso de sacos plásticos até 2019. Na França, um projeto de lei em discussão visa acabar com eles já em 2016, sendo que o país já tem uma taxa de 6 centavos de euro para cada saco utilizado pelos consumidores.

Campanha

Três de julho é o Dia Internacional Sem Sacos Plásticos, e a campanha Bag Free World, lançada neste ano para celebrar a data, ressalta o perigo que trazem à biodiversidade e ao meio ambiente.

A campanha conta com a participação de políticos e celebridades, como Joachim Steiner, diretor do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), e Jeremy Irons, ator britânico.

“Há zero justificações para ainda os fabricar, em qualquer lugar”, declarou Steiner no website da Bag Free World.

Já Irons afirmou que “as pessoas ainda não estão conscientes da seriedade do problema do uso de sacos plásticos. Espero que o filme Trashed [de 2012, produzido pelo ator] permita que as pessoas tenham uma visão desse problema bastante curável, mas global. [O problema] não será resolvido sem a vontade comum e política para fazê-lo.”

No site da campanha, estão disponibilizadas diversas informações sobre a utilização dos sacos plásticas e do seu impacto nos ecossistemas. Por exemplo, embora em média eles sejam usados por apenas 25 minutos, levam entre 100 e 500 anos para se desintegrarem, dependendo do tipo de plástico.

Eles também prejudicam a biodiversidade, principalmente oceânica, já que muitos animais frequentemente ingerem pedaços de sacos plásticos deitados fora, o que os faz sufocarem e morrerem. Segundo o PNUMA, entre 50% e 80% das tartarugas marinhas encontradas mortas apresentam nos seus estômagos fragmentos de sacos plásticos.

terça-feira, julho 01, 2014

ONU reforça ação ambiental, mas ricos e emergentes divergem

ihu
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/532801-onu-reforca-acao-ambiental-mas-ricos-e-emergentes-divergem-


ONU reforça ação ambiental, mas ricos e emergentes divergem

As cabines dos tradutores da Assembleia Ambiental das Nações Unidas - Unea ficam no alto, bem no meio da plenária. Era ali que terminava a sala dois anos atrás. "Tiveram que derrubar a parede e duplicar o espaço", diz um delegado. Foi logo após a Rio+20, quando a representação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), passou de apenas 58 membros para abrigar os mais de 190 membros da ONU.
A reportagem é de Daniela Chiaretti, publicada pelo jornal Valor, 30-06-2014.
A universalização do Pnuma, o braço ambiental da ONU, é um avanço concreto que ficou claro na Unea, a primeira grande assembleia ambiental das Nações Unidas em 42 anos de história do órgão. O orçamento do Pnuma também é mais substancial. A fatia que a ONU repassa para os custos fixos do órgão era de US$ 14 milhões e subiu para US$ 35 milhões no orçamento previsto para o biênio 2014-2015. O orçamento total do órgão ambiental será de US$ 670 milhões no biênio 2016-2017 para executar as ações previstas nos seus programas tradicionais e mais 16 decisões que a Unea aprovou na sexta-feira.
As boas notícias terminam por aí. As decisões ambientais que foram decididas por 113 ministros nos cinco dias de conferência em Nairóbi, onde fica a sede do Pnuma, não têm mais que passar pelo crivo da Assembleia Geral das Nações Unidas, como era antes da Rio+20, o que dá peso político ao órgão. Mas, como agora meio ambiente é finalmente discutido pela ótica do desenvolvimento, as decisões ficam à mercê das disputas econômicas entre países.
Prova disso é o documento final dos ministros de meio ambiente. Trata-se de uma mensagem política, que pede à comunidade internacional, por exemplo, ações que combatam o tráfico ilegal de vida selvagem, evitar a perda de biodiversidade ou destravar o acordo climático. Os ministros não fizeram mais do que sua obrigação: alertar o mundo das questões mais dramáticas e pedir soluções.
O tom aquarelado do texto é o problema. Os Estados Unidos sequer deixaram que o documento se chamasse "declaração". Temiam precedentes perigosos em um momento em que se inicia a negociação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável - ODS e a agenda Pós-2015, que servirá de referência para a cooperação internacional nas próximas décadas.
Por pressão dos EUA - que havia sido iniciada pelo Reino Unidos (sob olhar silencioso dos europeus), os países em desenvolvimento saíram perdendo. O rascunho do documento ministerial fazia referência ao princípio dasResponsabilidades Comuns porém Diferenciadas - CBDR. O conceito, aprovado pela comunidade internacional há mais de 20 anos, diz que todos os países têm que fazer esforços para proteger o planeta, mas reconhece, por exemplo, que o esforço feito pelo Brasil não pode ser o mesmo daquele do Haiti.
O mundo mudou nos últimos 20 anos e CBDR virou uma pedra no caminho dos EUA frente à China. Na Rio+20 foi uma briga de foice para que a sigla aparecesse no documento final. CBDR é princípio basilar para o mundo em desenvolvimento, o governo brasileiro o defende com unhas e dentes. Mas no documento final da UNEA o princípio desapareceu. Os EUAradicalizaram na madrugada de sábado: ou se aprovava o documento sem a referência, ou a UNEA terminava sem declaração dos ministros. Os outros cederam.
Para o grupo dos países em desenvolvimento trata-se de um mau presságio para a negociação da agenda pós-2015 e pior ainda para o acordo climático internacional, que deve ser aprovado em 2015.
A ministra brasileira do Meio AmbienteIzabella Teixeira, anunciou US$ 1 milhão para o programa de 10 anos que pretende instalar padrões de produção e consumo sustentáveis. Aprovado na Rio+20, o plano só tinha US$ 500 mil em carteira, o que é ridículo para ações que têm que projetar uma mudança econômica global. O anúncio brasileiro foi simbólico, porque os países ricos não investem em uma agenda que diz que devem consumir menos -- os EUA consomem per capita 25 vezes mais que Máli. "Os países ricos têm que liderar esta agenda", alfinetou a ministra em seu discurso. No final do evento, o Japão anunciou US$ 2,5 milhões neste programa.
O maior trunfo da Unea veio da frente técnica: os governos aprovaram 16 resoluções. Os delegados concordaram, por exemplo, com a proposta dos Estados Unidos de estimular seus governos a criarem políticas públicas para reduzirem emissões de poluentes em vários setores e pediram ao Pnuma que produza estudos. Poluição do ar mata sete milhões de pessoas por ano.
Por proposta da Noruega, a Unea pediu uma ação forte dos governos sobre o impacto nos ecossistemas marinhos de plásticos e microplásticos. Outra resolução quer que os governos ajam para impedir o comércio ilegal de vida selvagem e produtos madeireiros. Também há uma decisão sobre manejo e gestão integrada (com divulgação, participação da indústria e financiamento) de substâncias e resíduos químicos. "São ações para os próximos anos", celebrou Achim Steiner, diretor-executivo do Pnuma e subsecretário das Nações Unidas.